FERROS COM VIDA




Toneca Bicho olhava com carinho para as suas ferramentas e ferros que se amontoavam ordenadamente na sua oficina do Barracão.
Os ferros, como nós dizíamos a brincar, tinham para Toneca Bicho, o valor de uma vida. Sabia onde estavam, todos, zelava por eles como se valessem uma fortuna, tocava-lhes como se acariciasse a pele suave e aveludada de uma mulher.
Esta chave veio de França, esta veio da Alemanha, esta foi o Senhor Messias, que está na Venezuela, esta…esta…
As ferramentas simbolizavam momentos significativos do seu itinerário de vida, configuravam a sua identidade.
Nas ferramentas mais sofisticadas, Toneca não assinalava só a qualidade dos seus materiais, a sua operacionalidade, valorizava, com gosto, a inteligência de quem as tinha concebido. Ele era assim…prático, inventivo, sedutor, preocupado com as pessoas e nada, mesmo nada, com os ganhos, com a sua conta bancária. Um exemplo, para nós.
Por isso e por ser meu Pai, decidi dar conta, através da fotografia, destes ferros e da sua relação com alguns aspectos da Identidade do meu Pai. Vamos ver se sou capaz…


Barracão, Novembro de 2011.

Tó (António Norberto Perestrello Rodrigues)





Alumia cá...

A boina Basca que atirava para cima dos seus ferros quando entrava na sua oficina, o encontrar sempre o que queria, na sua organização desorganizada, os constantes apelos à luz, para poder ver as entranhas dos motores que "cientificamente" arranjava, eram gestos que caracterizavam o dia-à-dia do meu pai, na sua pequena/grande oficina no Barracão.
Já viste esta chave?

Na sua oficina havia de tudo, ferramentas de todo o tipo e características, peças novas e muitas, muitas usadas.
O meu Pai gostava de quem inovava, tinha sempre, quando nos via, uma novidade para mostrar. Pegava na chave, como se de algo muito valioso se tratasse e dizia: "já viste, quem fez isto era muito inteligente. Com esta chave é fácil resolver o problema daqueles parafusos..."






Precisão


Quando não havia a peça que queria, pegava no torno e com precisão construía uma peça nova, com rigor e sempre depois de detalhadamente consultar as características e os dados técnicos exigidos. "isto não é às três pancadas", dizia...






Água do Barracão


O meu Pai era um apreciador da água do chafariz do Barracão. Dizia que era mais quente no inverno e mais fria no verão e mais fresca e saborosa bebida por este copo de alumínio.
No intervalo do seu romance com as peças e as ferramentas, era vê-lo, com o seu copo, ir à água ao chafariz....






Frio


A oficina era escura e fria, como todas as casas na terra. Quando a temperatura apertava, acendia o fogão, muitas vezes com serradura... era mais barata. Mas, tinha medo do lume. A casa podia arder. Era de madeira e velha...




Penso


Por baixo da boina Basca, a cabeça pensava em parafusos, ferramentas e outras coisas da mecânica.
Apanhava todos os parafusos, porcas e ferros que encontrava e juntava...juntava...
Dizia "Eu apanho o que os outros não querem
para ter o que os outros querem"






Podem ser precisos


Guardava todos os parafusos e porcas como quem sabe que os vai precisar amanhã. 




Juntas


Olha! Há para todos os motores e algumas já não se fazem...






Ordem I


Assim até tu encontras o que queres!




Ordem II


"Dá cá o coiso. Vá rápido! Não és capaz de encontrar nada!"




Ordem III


Chegava ao monte e rapidamente dizia: não vês? Está aqui. Olha fixamente e fala outra vez, convicto: espera aí falta a chave 22, emprestei-a ao Ti Joaquim e ainda não a devolveu. É sempre a mesma coisa... 




Mais Luz


Aquele candeeiro alumiava muito.Parecia de dia...




Há de tudo


Gavetas e mais gavetas cheias...de tudo.




Rigor


Media sempre, estudava, questionava ...buscava a perfeição e a luz!






Memória I


"Lembras-te do Ford modelo A amarelo?" Gostava de carros antigos. "Olha esta roda era de um carro! Já viste? Os raios são de madeira. Tenho que os recuperar. Valem muito..."




Memória II


Olha! Esta era da sociedade de Transportes. Trabalhei tanto com ela. Agora, ia para o lixo e eu comprei-a. Pode ser precisa....




Impulso


Estava sempre à espera de um impulso que o levasse para outros mundos, outros saberes...




Só mais uma...


O meu pai era um apreciador de Batatas, principalmente cozidas e com azeite.
Costumava dizer, enquanto folheava o jornal ou a revista e olhava para lá do túnel, "dá-me só mais uma..." 

1 comentário:

  1. Buscava a perfeição e a luz!
    Recordei com carinho...
    Rodrigues Gomes

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õbrigado pelo seu comentário.